Catarina Barreiros é considerada “a” influencer da sustentabilidade. Partilha conteúdos sempre com base científica, mas se for preciso falar de minhocas no compostor ou de bidés em vez de papel higiénico, também está lá. Esteve à conversa com a Peggada sobre o muito que ainda há a fazer.
Trabalhava com moda muito pouco sustentável e achava que reciclar era suficiente. Em pouco tempo, passou para o lado bom da força e hoje tem 70 mil pessoas que a seguem religiosamente para saberem qual o próximo passo a dar para uma vida mais sustentável.
Catarina Barreiros tem 28 anos, um marido que a levou à sua primeira palestra sobre lixo zero, uma filha que só usa fraldas reutilizáveis e uma casa com compostos e onde praticamente não entram embalados.
A moda ficou para trás e é à sustentabilidade que se dedica. Explodiu com a internet quando deu a ideia de se encher um frasco com a água que se desperdiça na hora de aquecer o banho e chocou a sua comunidade quando assumiu que em sua casa não se usa papel higiénico.
Está num ponto de sustetabilidade onde nunca pensou chegar mas acha sempre que pode fazer mais. Esse mais cresce agora em forma de loja online, a Do Zero, onde vende os produtos que lhe fazem sentido ter numa vida com mais sentido.
À Peggada fala sobre ecologia, sobre água da torneira, sobre a bicicleta onde a levam a filha à escola e sobre o tanto que ainda há para fazer.
Atualmente tens quase 70 mil seguidores no Instagram, um podcast e uma loja. Mas queremos saber como é que tudo começou.
É difícil apontar o momento em que tudo mudou para mim. Os meus pais, por exemplo, sempre reciclaram e a minha avó reaproveitava tudo e mais alguma coisa. Até os sacos de plásticos eram sempre lavados e postos no estendal a secar e os embrulhos de Natal eram guardados para o ano seguinte.
Mas a mudança a sério aconteceu quando conheci o meu marido e ele me levou a uma palestra com a Bea Johnson [ativista ambiental e autoria do livro “Desperdício Zero“].
As palavras da Bea eram todas novas para ti?
O conceito de sustentabilidade não era desconhecido, mas a ideia de que alguém conseguia viver a fazer apenas um frasquinho de lixo por ano era novo para mim.
Como olhas agora para essa época? Sentes-te outra pessoa?
Sinto que foi uma evolução, até porque eu não era totalmente inconsciente. Era muito consumista e fechava os olhos a algumas coisas que já sabia que não estavam bem, como o consumo de fast fashion. No entanto, já não comia carne por questões ambientais, por exemplo.
Houve alguma coisa que mudaste de imediato assim que saíste daquela palestra?
Eu até saí da palestra a meio, quando ela começou a falar sobre o facto de não usar papel higiénico. Hoje sou eu que não uso e ela até voltou a usar [risos].
Mas a verdade é que saí de lá a achar que aquilo era tua uma utopia. Senti-me frustrada.
Quando é que esse interesse pela sustentabilidade passou a ser um trabalho?
Demorou algum tempo. Eu e o João, que na altura estávamos no início do namoro, ainda namoramos, casamos e só um ano depois comecei a dedicar-me mais a sério a tudo isto.
Lembras-te da tua primeira publicação ligada à sustentabilidade?
Foi no final de agosto de 2018, o ano em que casei. Publiquei uma foto da primeira compra a granel que fizemos. Tinha vindo de férias em casa dos meus pais, onde estava uma revista que falava da Maria Granel. Decidimos experimentar.
Nessa altura o teu público eram os teus amigos, certo?
Sim, os meus amigos e pouco mais. Eu já tinha uns 8 mil seguidores, mas muitos deles ligados à moda.
Houve um momento especifico de boom?
Definitivamente, o post sobre a poupança de água no banho, que se tornou completamente viral [Catarina dá a dica de usar um recipiente de vidro para aproveitar a primeira água do banho, que depois pode ser usada na cozinha, por exemplo]. Foi uma coisa estrondosa. Comecei 2019 com 20 mil seguidores e acabei com 65 mil.
Isso é uma mudança simples. Qual achas que possa ser o maior entrave a quem quer mudar de hábitos?
A maioria das pessoas acha que é uma utopia viver com menos desperdício e acham que ou fazem tudo super bem ou não fazem nada. Mas nós não temos que ser perfeitos todos os dias. Eu sou super imperfeita montes de vezes. Mas podemos todos tentar fazer um bocadinho todos os dias.
Outra impeditivo é as pessoas acharem que é caro, mas isso vai contra o princípio da sustentabilidade: se não estamos a consumir recursos não vai ser mais caro, se vou poupar água e energia, vou poupar no final do mês. Mas as pessoas pensam mais nas marcas e produtos sustentáveis, que são mais caros, do que na poupança que acontece ao recusar certas coisas.
Começaste esta jornada sozinha, mas entretanto tens um marido, uma filha e uma cadela. Todos estes novos elementos vieram obrigar-te a repensar a tua jornada sustentável?
Pensei ao contrário: primeiro pensei no que fazia sentido na minha vida, e aí entrava o meu marido, a minha filha e a minha cadela. Só depois pensei como é que eu posso ser o mais sustentável possível dentro desta felicidade que é para mim ter uma família. Nunca me passou pela cabeça não ter filhos, ainda que haja muitos ambientalistas que decidem não ter filhos por acharem que não é sustentável.
Tenho consciência que cada um deles gera impacto ambiental e, por isso, tento fazer as melhores escolhas. Em relação à minha filha, a Graça, vou dar-lhe uma educação ambiental em casa, desde cedo. Aliás, ela mexe no vermicompostor e está sempre na horta comigo. Também sempre usamos fraldas reutilizáveis e compramos sempre roupa em segunda mão, por exemplo. Não lhe compramos brinquedos, tudo o que tem é herdado.
Cada escolha de consumo tem que ser ponderada, seja para mim, para a Graça ou para a Chiara, a minha cadela. A Chiara, por exemplo, tem uma alimentação BARF (sigla para Biologically Appropriate Raw Food, uma dieta composta de alimentos crus), que ainda que tenha carne, nos permite entregar as embalagens para reutilizarem. Além disso, apanhamos os cocós na rua com folhetos de publicidade ou jornais. Nunca usamos saquinhos para isso.
Ainda que tenhas uma pegada reduzida, ainda produzes resíduos. Que fim lhes dás?
O lixo orgânico resume-se àquilo que não conseguimos compostar, como cascas de citrinos ou de cebolas.
Mas a grande poupança ambiental que fazemos nem é tanto nos resíduos, mas sim na alimentação. Fazemos uma alimentação de base vegetal e sem desperdício. É que a maior parte das pessoas, se pensa em sustentabilidade, pensa em não fazer lixo, mas o maior impacto está nas emissões que não estão diretamente ligadas ao embalamento. Fazer um bom planeamento semanal, fazer uma alimentação de base vegetal é muito mais impactante do que evitar as embalagens, ainda que isso seja igualmente importante.
O que achas que ainda podes melhorar?
Todos os dias vejo coisas novas em que posso melhorar. A primeira é que ainda não temos painéis solares instalados em casa. Além disso, gostava de ter o termoacumulador mais perto da casa de banho, para evitar ainda mais o gasto de água para aquecer o banho. Podemos melhorar também os nossos meios de transporte. Estamos a experimentar uma cargobike para levar a Graça, mas há coisas para as quais ainda precisamos do carro, que é a gasóleo. Mas são coisas que requerem algum investimentos e, por isso, ainda não foram implementadas.
Consideras que pandemia foi boa ou má para a questão da sustentabilidade?
A produção de monóxido de carbono diminuiu, a poluição diminuiu, mas nem tudo é linear. Por um lado foi bom, porque as pessoas, estando em casa, estavam mais alertas para aos gastos e para a forma como podiam poupar. Foi também bom por causa do teletrabalho, o que ajuda nas emissões.
No entanto, foi mau para para quem já tem fracas condições de vida. É que a sustentabilidade também é social e se há pessoas prejudicadas pela pandemia, o resultado não pode ser positivo.
Se tivesses poder governamental por um dia, que medidas ambientais impunhas?
Tão difícil! Agia mais incisivamente na educação, implementando um programa efetivo de sustentabilidade nas escolas, que não é o que está a acontecer. Depois, faria promoção da economia circular à séria.
Em termos de medidas mais práticas e imediatas, voltaria a implementar os ecoparques para que os resíduos da indústria pudessem ser aproveitados, incentivava a tudo o que fosse redução de produção de resíduos, seja com pagamentos ou redução de impostos e, sobretudo, investiria na luta contra o desperdício alimentar. Faria com que as grandes empresas fossem responsabilizadas ou incentivadas em relação ao desperdício alimentar que produzem e poria uma taxa na reciclagem: quem não a fizesse corretamente, teria que pagar por isso.
Além das redes sociais e do podcast, acabas de lançar uma loja online, a Do Zero. Fala-me dela.
Esta é a primeira parte de um projeto que eu tenho idealizado há muito tempo e que achei que fazia falta. É uma loja de venda de produtos sustentáveis, sendo que enviamos tudo em caixas reutilizadas. Enviamos até agora 563 encomendas e nenhuma delas levou embalamento novo ou caixa nova. Até os detergentes são postos em embalagens reutilizáveis e reutilizadas por nós. Assim, ainda que as pessoas não tenham ido a uma loja a granel, ficam com a certeza de que nós fizemos isso por elas.
Como foi o processo de escolher marcas, fornecedores?
Foi simples. O meu critério foi escolher apenas o que eu uso e em que eu confio. Se surgirem coisas que eu sinto que fazem falta, experimento primeiro e só depois de decido de ponho ou não na loja.
Há por isso coisas que as pessoas podem não encontrar lá.
Sim, é o caso dos cotonetes reutilizáveis. É uma coisa que não uso — limpo com a toalha — e, por isso, não vendo. Também não vendo filtros de carvão para a água, porque a nossa água da torneira é potável e não é sequer sugerida a sua filtragem. Também não vendo pasta de dentes sem flúor, porque os médicos não recomendam e, para mim, sustentabilidade também é saúde. Por isso sim, há coisas que eu não vendo e que normalmente se encontram em lojas do género.
Ao abrir a loja, percebeste os entraves de vender produtos sustentáveis?
Chegar às marcas é relativamente simples, o mais complicado é o encher a granel e isso reflete-se no preço. Demoramos muito tempo a processar encomendas.
Quantos produtos estão à venda no site?
Cerca de 80.
É um número que pode crescer?
Não me faz sentido ter muito mais opções de cada produtos, ou seja, mais champôs ou mais condicionadores. Mas posso ir para áreas novas. Por exemplo, fiz recentemente uma colaboração com a Purana, em que fomos buscar tecidos de uma fábrica de têxtil portuguesa e fizemos uma coleção de roupa de cama e toalhas de mesa.
Que pegada esperas deixar neste planeta?
Espero deixar uma pegada bem levezinha, em termos de impacto carbónico e hídrico, mas uma pegada bastante vincada no que diz respeito à educação para a sustentabilidade. Se a força da pegada for medida em função do impacto, espero que seja bem profunda.