Não compra sabonete, champô, cremes, pasta de dentes ou detergentes. Faz tudo em casa, sem desperdícios, químicos e com ingredientes simples. Falamos com Ângela Plácido, da página Atreve-te a ser feliz sobre sustentabilidade, mas também família, alimentação e a vontade de viver no campo.
Ângela Plácido, 42 anos, faz parecer que os dias têm mais do que 24 horas. Num dia, encaixa um trabalho a tempo inteiro, wokshops, produção de champôs e detergentes, três filhos e uma alimentação equilibrada e praticamente sem embalagens.
Quem vê agora a sua página, com mais de 13 mil seguidores, não imagina que não assim há tanto tempo, era fechada apenas para os amigos, os primeiros a experimentar as suas criações. Começou a produzir sabonetes porque o marido tinha um problema de pele e nunca mais parou. Seguiram-se champôs, cremes e também os detergentes.
Faz tudo isto com base em ingredientes simples e começou agora a passar a mensagem em workshops.
A sustentabilidade faz parte do seu dia a dia, seja na alimentação — quase sem plásticos e cheia de vegetais comprados localmente e de origem biológica — ou na vontade de viver no campo. É lá que se sente feliz.
Mas antes que parta nessa aventura, a Peggada apanhou-a para uma conversa. Fica a conhecer melhor a autora da página que nos espicaça: Atreve-te a Ser Feliz.
De onde nasceu esta tua preocupação acrescida com a sustentabilidade?
A minha família sempre teve uma ligação muito forte com a natureza. Os meus pais são de meios rurais e, apesar de vivermos na cidade, mantivemos sempre esta ligação ao campo. Acampamos durante anos, tínhamos mesmo uma rulote fixa.
Claro que o despertar para a sustentabilidade veio depois, talvez com o nascimento do meu primeiro filho, o Francisco.
No teu caso, ter filhos foi até um incentivo a uma vida mais sustentável.
Sim, aquilo que eu já defendia passou a fazer mais sentido. Tive também a sorte de encontrar uma pessoa alinhada com o que já acreditava. Para teres uma noção, a nossa lua de mel foi em campismo [risos], de Sevilha até ao Gerês.
Fomos adotando alguns hábitos mais sustentáveis quando fomos viver juntos, mas quando chega um filho começas a pensar “que impacto é que queres ter?”. É aí que começas a pensar no mundo que queres deixar para os teus filhos.
Lembro-me que há 13 anos, quando o Francisco nasceu, eu queria usar fraldas reutilizáveis, mas ainda não havia muita informação. Não foi dessa vez. Mas foi nessa altura que o João, o meu marido, teve um problema de pele, que me levou a procurar novas soluções. Fiz uma formação e comecei a fazer uns sabonetes mais naturais. Depois deixamos de fazer tantas compras em hipermercados para passar a comprar mais local. Faz-me todo o sentido esta proximidade, este saber de onde vêm os legumes que estás a comer.
Estes cuidados e estas novas práticas foram-se acumulando ao longo dos anos e com os meus outros dois filhos, sim, consegui usar as fraldas reutilizáveis que tanto queria. A partir daí não parei. Não me fazia sentido usar estas fraldas e lavá-las com produtos químicos, então passei a fazer os meus próprios detergentes.
Qual foi o primeiro detergente que fizeste?
Foi o de roupa, líquido. Mas antes disso fiz os sabonetes de azeite para o meu marido e logo a seguir os cremes.
Fizeste formação na área?
Foi muito à base de tentativa e erro. Fiz um workshop de sabonetes, logo no início, mas a partir daí foi muita pesquisa, muito livro, estudar as fórmulas. Experimento eu tudo primeiro antes de dar aos outros.
Como funciona a tua produção?
Estou a ir devagarinho. Eu comecei a fazer os champôs, detergentes e eram as minhas prendas de Natal. As pessoas começaram a gostar e, no lockdown, surgiam mais pedidos.
Para ti a pandemia foi um incentivo ao teu trabalho.
Completamente. Até aí, o meu Instagram não era público sequer.
Houve algum post que fez a mudança?
Há sempre alguns que fazem boom. Por exemplo, quando partilhei as funcionalidades do bicarbonato de sódio ou a limpeza do colchão. Normalmente é quando os post marcam a diferença e não encontras essa informação noutras páginas.
Gostavas de te dedicar a 100% a esta área?
Gostava de ter mais certezas. Com filhos é ainda mais complicado avançar, porque queres dar sempre o melhor aos teus. Há muita concorrência e se não tens a marca certa, o conceito certo, não vingas. Perguntam-me porque não criei ainda a minha própria marca, mas as pessoas não sabem a burocracia que está envolvida nesse processo.
Que tipo de ingredientes usas para fazer os teus produtos?
Se falarmos de detergentes, temos o bicarbonato e o carbonato, fácil de encontrar em drogarias ou mercearias a granel. Depois, tens o ácido cítrico, o sabão e o vinagre de limpeza. Com estes cinco ingredientes fazes tudo, não precisas de mais nada. Podes comprar um quilo de bicarbonato de sódio por 1,30€ e sabes quanto é que aquilo dura? Imenso. Dá para a roupa, para o chão, para limpar o bolor dos frisos.
Quando as pessoas ouvem o valor, isso sim desperta curiosidade. É que a diferença é brutal no orçamento.
Já para a cosmética, a base são óleos essenciais e as manteigas vegetais, que também se encontram facilmente no mercado e dão para vários produtos. O mais engraçado é que um ingrediente dá para vários produtos. Por exemplo: com manteiga de karité consegues fazer algo para o teu cabelo, para o teu corpo e ainda um batom do cieiro. É uma questão de explorar a matéria.
Quais as práticas sustentáveis do teu dia a dia e das quais não abdicas?
Faço reciclagem e estou contente com o pouco que tenho para reciclar agora. Chegava a tirar as embalagens ainda no supermercado para não as trazer para casa, que tudo aquilo me fazia muita confusão, mas agora tento mesmo não comprar embalado.
Eu não tenho champô, desodorizante, pasta de dentes ou cremes embalados, porque isso faço tudo. O que compro? Os óleos e um perfume para o meu filho mais velho.
Começaste também a direcionar a tua página para conteúdos ligados à alimentação. Porquê?
Fui vegetariana durante muito tempo, quando ainda não se falava muito disso. Depois, casei com um carnívoro e desenvolvi uma anemia na gravidez e, como não havia tanta informação como há hoje, voltei a comer carne. Hoje em dia não sou vegetariana, mas como muito pouca carne, como sim algum peixe, porque gosto muito. E até o meu marido opta muitas vezes por vegetariano na escola.
Em termos de sustentabilidade na alimentação, o problema foi termos deixado para trás os hábitos dos nossos avós. A carne e o peixe era para os dias de festa.
Como costumas fazer as tuas compras para a cozinha?
Compro muito local, sazonal e granel. Tento sempre saber o que é da época e evitar algo que vem das estufas.
Planeio as refeições de maneira a que só haja duas refeições com carne e peixe por semana. Muitas vezes o nosso jantar é sopa, mas uma sopa com massinha ou grão, mais fruta e às vezes um pão.
O peixe, é sempre de mar, e a carne é bio. Faço questão disso. Já que vamos consumir, que se consuma o melhor.
Essa tua ligação à terra, à natureza, ao que é autêntico, faz-te ter vontade de sair de Lisboa?
Quero muito. Sempre vivi em Lisboa, primeiro no Beato, depois Santo António dos Cavaleiros e agora na Penha de França. Mas durante toda a minha vida, enquanto vivia com os meus pais, nós praticamente só dormíamos em casa. Durante o dia era escola e ao fim de semana íamos sempre para o campismo, fosse verão ou inverno.
Comprei uma casa há dez anos no campo. Iniciamos a obra e a ideia é viver lá. Tem um pomar já bastante jeitoso e a ideia é produzir o nosso sustento alimentar. Espero que isso aconteça ainda este ano. O estar longe desta confusão vale ouro. É lá que me sinto verdadeiramente feliz.
Que peggada queres deixa neste planeta?
Há algo que me define: a simplicidade. Esta forma de estar, esta vivência tem-me levado a coisas muito boas, simplificou-me a vida. Tenho uma vida com menos bens materiais e mais vivências.
Não sou minimalista, mas tenho pouco e com esse pouco sou feliz. Percebi que viver com pouco me deixa mais feliz.
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