Sabemos que, tal como nós, existem centenas de outros projetos a querer fazer mais pelo planeta. Fomos ter com eles para saber mais sobre o que os move e o que podemos deles esperar. Uma vez por semana, uma startup, uma entrevista, cinco perguntas.
Falamos com Carolina Sapienza- Bianchi fundadora da MudaTuga, uma startup que oferece soluções de compostagem doméstica e comunitária e serviços de sensibilização para a gestão de biorresíduos. No fundo, e tal como prometem, esta empresa transforma pessoas comuns em ninjas da compostagem.
A MudaTuga disponibiliza compostores, minhocas, e-books e tudo o que precisas para fazer compostagem na tua casa ou no teu bairro.
Que problema vem resolver a tua startup?
A Mudatuga quer resolver o problema dos biorresíduos – que na realidade não é um problema de facto, é uma oportunidade para fazermos melhor e reaproveitarmos os nossos resíduos e fecharmos o ciclo dos nutrientes. Em Portugal quase 60% dos resíduos sólidos urbanos ainda vão parar em aterros sanitários, e infelizmente ainda estamos longe de mudar essa realidade. O impacto ambiental é enorme, porque nos aterros há a emissão de gases de efeito estufa, além de uma inutilização de grandes porções de território (são 33 aterros ativos em Portugal de momento) e do impacto social que geram – as famílias que vivem próximas a aterros sanitários enfrentam poluição visual e desvalorização dos seus terrenos e casas. É uma situação bastante desagradável. Um agravante é que Portugal é dos países que cobra menos por tonelada de resíduos sólidos depositados em aterros (cerca de 22€/tonelada), e recebemos contentores de resíduos “importados” de outros países para depositarmos aqui.
A Mudatuga não apenas quer oferecer produtos mais sustentáveis para a compostagem doméstica (o nosso famoso Compostuga®, cuja primeira versão já estará disponível neste verão para compra), como também quer transformar “pessoas comuns” em ninjas da compostagem. E isso vai muito além de apenas ensinar pessoas como separar resíduos orgânicos e destiná-los corretamente (seja numa recolha seletiva, seja em compostores comunitários ou domésticos). Queremos criar um movimento de pessoas que estejam profundamente envolvidas nesta causa e fornecer os recursos e conhecimentos necessários para que sejam embaixadora/es da compostagem. Um ninja da compostagem é resiliente e está disposto a travar a difícil batalha contra a desvalorização de biorresíduos, que envolve tantos elementos da sociedade e tantos entraves que sabemos o quão bem temos de estar preparada/os para vencer!
Em que países estão presentes?
De momento estamos presentes apenas em Portugal, apesar de estarmos a participar de programas internacionais. A Mudatuga foi a vencedora a nível Europeu do Climate Launchpad 2021 (primeiro lugar no Painel Urban Solutions, terceiro lugar no ranking geral europeu e ganhadora do Audience Award), tendo chegado à final global. Fomos também uma das 16 startups selecionadas na fase global do CLP para o programa de aceleração deles, que é super prestigiado e traz muito networking que vai ser essencial para expandirmos a nossa iniciativa para outros países.
Também estamos presentes nos EUA graças à aceleração que estamos a finalizar agora para a semana no Watson Institute em Boulder, Colorado. É uma instituição especializada em treinar empreendedores sociais e durante 16 semanas tivemos sessões todos os dias para abordar e melhorar os principais pontos do nosso negócio.
Com o lançamento do Compostuga®, pretendemos expandir a nossa presença para todo o sul da Europa e comercializar na Espanha, França, Itália, e onde mais pudermos chegar.
Também submetemos alguns projetos europeus e estamos à espera dos resultados em breve, mas a expectativa é de fazer um projeto de educação ambiental Erasmus+ com a França, Suécia e Grécia. A torcer para que possamos chegar a esses países também!
Porquê a área da sustentabilidade para começar um negócio?
Para mim foi bastante óbvio trabalhar com sustentabilidade porque é algo que me move há uma década: em 2010, entrei na faculdade para estudar Ciências Biológicas em São Paulo. Sempre fui muito conectada à natureza e sonhei em trabalhar pertinho dela. Aos poucos, ao longo do curso, fui desenvolvendo a minha consciência ambiental e aprendendo sobre a destruição em curso do nosso planeta. Logo no primeiro ano do curso, comprei meu primeiro compostor de minhocas e comecei a fazer compostagem ainda no apartamento da minha mãe. Em 2012, tornei-me vegan e entretanto fui aprendendo sobre o movimento zero waste e fui tentando reduzir o meu consumo e a minha geração de resíduos. Quando cheguei a Coimbra, em 2017, foi uma frustração ver tanto lixo fora do lugar – aliás, lixo é um resíduo fora do lugar. Por aqui, não via compostagem, e presenciei pessoas jovens e teoricamente informadas a deitar plástico para o contentor indiferenciado a dizer que uma máquina separa depois. A falta de informação sobre compostagem, sobre os aterros e sobre o Tratamento Mecânico-Biológico foi o que me motivou a tirar o sonho de ter um projeto de compostagem do papel.
Quais os maiores obstáculos de trabalhar nesta área?
Milhares. Acho que o primeiro desafio é, na verdade, empreender em qualquer área sendo mulher e imigrante. Quando a isso acrescenta-se o fator “compostagem”, existe uma montanha de credibilidade a ser escalada. Felizmente, sinto que essa fase já foi superada.
Os desafios em relação à educação ambiental são a falta de informação e também as informações incorretas espalhadas pela internet (os famosos “mitos da compostagem”, que dão muito trabalho “derrubar”).
Outro ponto é a falta de valorização do trabalho de educadores ambientais – infelizmente muitas pessoas querem que o serviço seja prestado sem compensação financeira, e sendo a Mudatuga a minha única fonte de rendimento há quase 2 anos, eu já enfrentei muitos desafios em relação ao nosso modelo de negócio e a sua sustentabilidade financeira.
Acho que por fim existem outros desafios menores, como a falta de motivação das pessoas para mudarem um hábito, a falta de senso de responsabilidade da sociedade no geral, em que a responsabilidade pela destinação de resíduos tende sempre a ser terceirizada, e também o consumismo / falta de consciência ao consumir. Os alimentos são muito desperdiçados, e mesmo que a compostagem ajude pelo menos no reaproveitamento dos nutrientes para o solo, ela não “compensa” o desperdício alimentar.
Queremos que a compostagem seja vista como um último recurso, e que apenas seja compostado o que realmente não pode ser aproveitado de outras formas.
Qual a conquista que de que mais te orgulhas enquanto líder desta startup?
Acho que no meu coração tenho duas em destaque: a primeiro foi a nossa participação na “Escola a Compostar”, de 2021, em que unimos forças com a Zero Waste Lab e com o André Maciel das Hortas Lx para criar um super projeto de educação ambiental com o apoio do Fundo Ambiental e do ENEA (Estratégia Nacional de Educação Ambiental). Desde escrever o edital, preparar os conteúdos, lecionar as oficinas – foi tudo uma grande vitória na minha opinião. Foram 40 oficinas feitas em 5 semanas.
Outra grande vitória foi sermos selecionadas pelo Fórum Económico Mundial, Global Shapers Community e The Climate Reality Project como 1 dos 9 top jovens inovadores que lutam contra as mudanças climáticas. Ver o nome da Mudatuga no website deles foi mesmo uma das coisas que mais me fez sentir que “está a dar certo”. Agora temos 6 meses pela frente de apoio dessas entidade para escalarmos o nosso impacto e o nosso papel de liderança na luta contra as mudanças climáticas.
Qual o próximo passo?
Em junho vamos lançar o kickstarter do nosso Compostuga. Estamos super entusiasmadas para isso finalmente se tornar realidade, e ver o nosso “bebé” nas casas das pessoas. O Compostuga® não é um compostor qualquer: é um compostor doméstico tipo Bokashi, para qualquer apartamento, e ele é feito com materiais mais sustentáveis. Sabemos que nem sempre o plástico é o inimigo, mas queríamos criar algo diferente e que tivesse uma pegada ecológica menor. O maior diferencial, além da questão estética, é a cadeia de valor: local, regenerativa e envolvendo apenas fornecedores que estejam a ajudar na regeneração do solo diretamente e na captura de CO2 da atmosfera. Espero que seja um grande sucesso, porque foi o resultado de 1 ano de trabalho intenso, protótipos, testes de materiais, frustrações, novos protótipos, iterations e um processo de aceleração a tempo inteiro.
Ainda para 2022, também queremos realizar mais projetos de educação ambiental, que continuará a ser o nosso “carro-chefe”, apostando em parcerias com Câmaras Municipais, Juntas de Freguesias e outras entidades que estejam a precisar de apoio na implementação de projetos de sensibilização e/ou formação nesta área.
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