Começou por falar sobre minimalismo e de como era fácil — e libertador — viver com menos. Mas essa temática já não lhe chegava. Como a ecologia que vive em tantos outros, agora fala sobre política, feminismo, justiça social e minorias.
Não deixa de viver com pouco e, em sua casa não há papel higiénico nem brinquedos feitos no Bangladesh.
Joana Guerra Tadeu, que no Instagram conta com quase 16 mil seguidores, esteve à conversa com a Peggada sobre o muito que faz e ainda mais que quer fazer.
Eras a minimalista, agora és a ambientalista imperfeita. O que mudou em ti?
Voltei às minhas raízes de ativista mais virada para as questões políticas, sociais e económicas, e não tanto para o consumo. É que o minimalismo tem tudo que ver com consumo ou com falta dele, e começou a irritar-me o meu foco de chamar ao meu público “consumidores” ou usar hashtags como #consumoconsiciente, quando o que eu valorizava era muito mais do que isso. Privilegio o cidadão e não o consumidor.
Ao mesmo tempo, apareceram-me propostas que me pediam para falar de minimalismo e organização, minimalismo e produtividade ou de minimalismo e bem estar e não é isso que me apaixona. Apercebi-me que aquilo resultou até àquele ponto, mas que havia uma confusão sobre qual era a minha mensagem que eu queria que deixasse de haver. Então passei a usar a palavra ambientalista, porque vai ao encontro do que quero fazer, muito mais do que minimalista.
És também uma voz ativa nas questões feministas. Ecologia e feminismo são conceitos que convergem?
Sem dúvida. O ambientalismo e a sustentabilidade dependem de forma praticamente completa da justiça social, e sem feminismo não haverá justiça social.
Há uns tempos escrevi uma frase no Instagram mesmo com o intuito de provocar: “As alterações climáticas são um problema causado por homens com uma solução feminista”. Eu acredito nisto, porque a verdade é que os sistemas económicos e políticos que nos trouxeram até aqui foram sempre dominados por homens. Nesse sentido, acredito que se conseguirmos alcançar aquilo que é o ideal feminista, também iremos alcançar o fim das alterações climáticas, ou pelo menos ter uma abordagem diferente ao problema. A polémica que houve com esta frase, comum a quem não percebe bem o que o feminismo, esteve relacionada com a confusão entre solução feminista e solução feminina. São coisas completamente diferentes.
As mulheres são naturalmente mais sustentáveis ou é tudo uma questão de marketing?
Não acho que as mulheres sejam mais nada, a conversa não é essa. E por isso gosto de frisar a diferença entre solução feminista e solução feminina, porque a solução não é a mulher, a solução é a igualdade.
Quanto ao marketing, a razão pela qual as mulheres parecem mais preocupadas com assunto é porque o tal sistema patriarcal pôs as mulheres na tomada de decisões das compras para a casa. A mulher é que escolhe a decoração, a comida, os produtos de limpeza, os cosméticos que a família toda usa e até chega a ser a mulher a comprar a roupa que o homem usa. E, claro, quando a sustentabilidade chegou ao marketing, todo esse marketing foi virado para as mulheres. Se são as mulheres a tomar essas decisões? São. Mas é um perpetuar de um problema.
Ainda que tenhas tido uma mudança no nome e nos temas abordados, continuas a viver de forma minimalista?
Claro que sim. Eu não deixei de ser minimalista, mas agora falo sobre mais assuntos de uma forma mais profunda. Eu acho que a maneira mais fácil de chegar ao maior número de pessoas é falares daquilo que são os benefícios para si próprias. E isto não é uma crítica: todos nós olhamos primeiro para nós, depois para a nossa família, depois para a nossa comunidade, e só depois disso estar mais ou menos controlado é que abrimos os olhos para ver o que se passa no outro lado do mundo. A minha abordagem enquanto minimalista era mesma essa, dar a entender como essa abordagem era boa para cada pessoa. Continuo a acreditar que essa é a maneira de levar mais gente a mudar de hábitos, mas decidi abordar os assuntos de outra forma, virando-me para as pessoas que já fizeram muito, para que possam fazer ainda mais.
Percebi que 95% do meu público são pessoas como eu, ou seja, altamente privilegiadas: mulheres brancas, licenciadas, de classe média ou média/alta. Estas pessoas podem fazer mais do que mudar os seus hábitos, podem dar de volta, podem por o seu privilégio ao serviço de questões planetárias. Quis pedir mais do meu público, porque sei que ele pode dar mais.
Houve algum gatilho no teu percurso que te levou ao minimalismo?
Os meus pais conheceram-se na Assembleia da República. O meu pai era do Partido Comunista e a minha mãe era d’Os Verdes. Começaram a trabalhar juntos quando nasceu a CDU e eu nasci ano e meio depois. Portanto, eu fui educada por estas duas pessoas [risos] com uma série de ideais que, obviamente, transferiram para mim. Depois, o segundo gatilho deu-se quando, aos dez anos, fui viver para o campo e passei a ter que tratar dos animais e da horta. Passei a ter uma ligação à terra e ao planeta bastante mais forte do que se fosse só ao supermercado.
O terceiro gatilho aconteceu quando saí da faculdade. Fui jornalista durante uns tempos, mas depois virei-me para o mundo corporate, um bocado em rebeldia pelo facto de estar a ser explorada no jornalismo. Apesar de adorar o que fazia, as condições eram praticamente desumanas: folgas rotativas, não saber o meu dia seguinte, ganhar o ordenado mínimo a recibos verdes, sem contrato, enfim. Mas não correu bem, acabou numa depressão e, mais tarde, nisto de fazer do ativismo a minha profissão.
É mesmo a tua profissão?
Agora sim. Demorou muito tempo, mas finalmente consigo viver deste trabalho.
Esse minimalismo muda quando a ti se junta uma família?
Eu desisti do mundo corporate e virei-me para o que faço agora já o meu marido, o Martim, vivia comigo. Além disso, ele é formado em Biologia e Física, então se eu lhe despejar um dado científico em cima, tudo bem. Por exemplo, dizer-lhe que para fazer um rolo de papel higiénico são precisos 140 litros de água e que se usarmos o chuveirinho são gastos 70 litros, ele faz as contas e diz: “Então vá, não se usa mais papel higiénico” [risos]. Quando chegou a minha filha Aurora, eu já estava super dentro deste lifestyle e, por isso, fiz questão de montar um enxoval a pensar em coisas como fraldas reutilizáveis. O problema foi mesmo a família, que não me incomodava nada até a Aurora existir. Mas um filho não nos pertence, pertence à família toda, e aí as coisas foram diferentes. Passei a ter que controlar algumas coisas.
Há regras que impões para que os outros não mexam com a tua bolha sustentável?
Nunca falo em regras, até porque se chateio muito é certo que me vão querer contrariar. Um tio meu, por exemplo, ofereceu à Aurora, no seu primeiro Natal, cinco brinquedos de plástico, mas eu ofereci tudo à escola dela e contei-lhe. Pronto, nunca mais comprou nada de plástico.
A que é que tu dizes não?
Brinquedos com pilhas, brinquedos de plástico, brinquedos feitos na China ou no Bangladesh, por exemplo. Mas agora, depois de um processo de quase dois anos, a família percebeu e só oferecem depois de falarem connosco a perceber o que ela realmente precisa.
Se formos a tua casa, vamos encontrar algo de diferente? Como é a casa de uma minimalista?
Tem muito mais tralha do que aquilo que as pessoas acham que devia ter. Mas as grandes diferenças talvez sejam na cozinha, porque não temos esfregões de plástico, é tudo em escovilhões. O frigorífico quase não tem embalagens e não temos despensa, só um armário com frascos. Não há caldos Knorr, não há comida pré-feita no congelador — tirando douradinhos que a minha filha adora e eu de vez em quando compro. Na casa de banho, só há um champô solido e um sabonete para a família toda. As escovas de dentes são em bambu, a pasta de dentes em pastilhas e temos um chuveirinho instalado ao lado da sanita. O nosso quarto tem uma cama e uma planta e roupa dos três cabe num armário e numa cómoda.
Já tiveste um blog, podcast, fazes consultoria. Quais são as tuas frentes de batalha neste momento?
Estou a fazer o chá das cinco, todos os dias no Instagram [em direto com convidados] e também o #impactfluence todas as quintas-feiras às 21h, no qual falo com criadores de projetos com impacto social positivo. O podcast não acabou, mas está em standby. E depois há outros projetos em desenvolvimento, nomeadamente um que pretende levar estas alternativas ecológicas a pessoas que não têm acesso a elas.
E onde aprendeste tu tudo isso, para agora poderes ensinar?
Estudei Ciências da Comunicação e especializei-me em jornalismo, então toda essa parte da comunicação vem daí. E também foi durante o curso que aprendi mais sobre política e filosofia, mais até do que sobre como escrever uma notícia.
Sempre fui muito ativa politicamente durante os tempos de escola, organizei manifestações e tudo. Já a parte da ecologia, exige um estudo constante. Aquilo que era verdade em 2015, quando comecei, já não é verdade hoje. Tens que estar sempre atenta, ver notícias, seguir instituições e procurar sempre respostas às perguntas que vão surgindo em várias fontes, para depois perceberes qual a mais fidedigna. É preciso sentido crítico.
Passo o dia a ler, a ouvir podcasts, a ver vídeos no Youtube e a ler newsletters.
Sem limites de orçamento ou de tempo, o que gostavas de fazer agora com o trabalho que já desenvolveste?
Gostava de levar alguns temas à Assembleia da República, nomeadamente a saúde menstrual e a ecologia; temas ligados à mobilidade e também à pobreza energética.
Além disso, gostava muito de fazer televisão e ter um programa que fosse light o suficiente para que as pessoas quisessem ver, mas que tivesse momentos sérios o suficiente para que temas importantes fossem discutido num meio que chega a tanta gente. E gostava de ter tempo para escrever todos os dias, fosse para um site, para um blog, para um jornal, para televisão. Adorava que me pagassem para todos os dias produzir conteúdos.
E ainda que já faças muito, sentes que podes fazer mais?
Claro que sim. Gostava muito de viajar para produzir conteúdos. Ideias não me faltam, faltam-me é recursos e uma equipa à minha disposição para editar vídeos e podcasts e apoio na pesquisa poderia pôr mais coisas em prática.
Nesta área estamos sempre a querer fazer mais. Já tens planos para a tua próxima mudança sustentável?
Estou em processo de mudança da mobilidade. Tenho uma grande vergonha: a nossa família de três tem dois carros. Mas já tenho uma bicicleta elétrica, só ainda não a uso no dia a dia por causa do confinamento. A segunda mudança que quero fazer em breve é começar a fazer compostagem. E a terceira tem que ver com a nossa alimentação: ainda consumimos leite de vaca, por exemplo, e quero mudar isso.
As mudanças são difíceis emocionalmente e não porque não haja alternativas. Acho graça quando as pessoas me perguntam se é difícil ter uma vida mais sustentável. É difícil no sentido de ser mais caro? De dar mais trabalho? Não. É difícil mudar? Sempre! Mudar para melhor é difícil. Casar é difícil, ter filhos é difícil, começar um trabalho novo é difícil, ser promovido é difícil. E não quer dizer que estejamos a mudar para pior.
Que pegada esperas deixar neste planeta?
Quero deixar uma comunidade de pessoas que realmente compreenda o que é sustentabilidade e que queiram contribuir para um ideal de sustentabilidade justo e que saibam reconhecer onde estão as oportunidades de melhoria, a começar obviamente na minha filha, que sou eu que educo e sobre quem eu tenho mais poder de influência.
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