O mês da mobilidade que se quer estender por todo o ano
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Há mais de duas décadas que os automóveis ficam à porta em Pontevedra, na Galiza. Apesar de difícil, a decisão trouxe inúmeros ganhos a esta cidade do norte de Espanha.
Antes das zonas de baixas emissões se popularizarem mundo fora, antes de Anne Hidalgo — presidente da câmara de Paris —se tornar a face política mais conhecida do combate pelo direito à cidade por parte dos transeuntes, Miguel Anxo Fernandez Lores tomou uma decisão.
Eleito presidente da câmara de Pontevedra — cidade da Galiza à época com 84 mil habitantes — em 1999, Fernandez Lores herdou uma pasta repleta de desafios. Desde a economia local em queda à má qualidade do ar, o autarca precisava de dar a volta à situação. Diz-se que para “grandes problemas, grandes soluções”. A dele foi retirar os carros das ruas a seu encargo.
Se uma medida destas sofre contestação aos dias de hoje, não obstante haver cada vez mais aceitação pública de modos de transporte alternativos ao automóvel, imagine-se no final do século XX. Fernandez Lores sofreu pressões, mas não se deixou abalar: restringiu os carros no centro histórico de Pontevedra e daí expandiu essa política para zonas mais exteriores da cidade. Além de impedir a circulação motorizada em muitos locais, fez acompanhar esta decisão de outras de âmbito urbanístico como alargar passeios e remover lugares de estacionamento.
“Ao visitar a cidade no mês passado, encontrei multidões de pessoas de todas as idades a passear (ambling) por ruas tranquilas, a conversar em praças à sombra e a devorar marisco num conjunto aparentemente infinito de restaurantes buliçosos”, escreveu David Zipper em setembro deste ano. O jornalista do Fast Company, no entanto, ficou ainda mais surpreendido por aquilo que não viu: “carros estacionados nas bermas, luzes de trânsito e parques de estacionamento à superfície”.
No relato de Zipper, há cinco lições essenciais a retirar do exemplo de Pontevedra, começando desde logo pelo facto de, havendo menos carros, ter aumentado a qualidade de vida dos próprios automobilistas.
“Nós não dizemos que somos uma cidade sem carros, dizemos que somos uma cidade com apenas o trânsito necessário e essencial”, conta Fernandez Lores — que ainda se mantém como autarca — à Fast Company.
Além do caso óbvio dos serviços de urgência, é permitido a pessoas com invalidez conduzir pela cidade, desde que tenham uma licença, e àqueles com garagem em sua casa que se movimentem de carro para o seu domicílio. De resto, não só há poucos transportes públicos motorizados — o centro de Pontevedra é tão pequeno que bastam duas carreiras de autocarro para servi-lo —, como é incentivado às pessoas que estacionem nos parques gratuitos na periferia.
“Se alguém quiser conduzir em Pontevedra, pode fazê-lo — mas vai perder tempo e aperceber-se de que não é prático”, revela o autarca, com orgulho. Tal deve-se à reestruturação urbanística da cidade para dissuadir o uso de automóveis. Como tal, desde 1999 que as viagens de carro caíram em 97% no centro histórico e em 53% na cidade como um todo.
Se antes circulavam perto de 14 mil carros por uma das ruas mais movimentadas da cidade, hoje os poucos que o fazem têm de respeitar um limite de velocidade de 30 km/h e lidar com mais de 300 lombas espalhadas pelas estradas. Como tal, a sinistralidade rodoviária em Pontevedra é extraordinariamente baixa — a última morte registada data de 2011. Outra consequência é que praticamente não há ciclovias para quem anda de bicicleta porque não é necessário: os ciclistas podem andar com segurança na estrada, desde que com a noção de que têm de abrandar perante os peões.
Afinal de contas, são as pessoas que estão no centro da estratégia de Pontevedra — o mote desde o início do mandato de Fernandez Lores tem sido “menos carros, mais cidade”, esta não se faz sem os seus habitantes. Em 1999, o autarca encontrou um centro histórico despojado e um ritmo de crescimento populacional estagnado. Hoje, é a cidade que mais cresce na Galiza. “As pessoas estão a sair dos subúrbios e até de outras partes de Espanha e a vir para a cidade”, comenta o edil.
Ruas mais seguras e com muito melhor qualidade de ar — os níveis de CO2 caíram em dois terços nestes 24 anos — acolheram famílias mais novas a procurar assentar. Além da revitalização demográfica, a chegada de novas gerações também trouxe consigo fôlego económico.
O que antes eram apenas locais de passagem para carros são hoje vias repletas de comércio local a beneficiar do fluxo de potenciais clientes que deambulam a pé. Como resultado, Pontevedra é a cidade cuja economia local mais cresceu na Galiza entre 2016 e 2020, aponta o Fast Company. Acompanhando este apoio aos pequenos comerciantes, Fernandez Lores também tem pautado a sua atuação por impedir a construção de novos centros comerciais nos subúrbios, temendo que estes desviassem o foco do centro pedonal.
A última lição a retirar de Pontevedra é que, com coerência e persistência, medidas como as tomadas podem chocar a início, mas com tempo tornam-se trunfos políticos. Numa fase em que vários autarcas voltaram atrás com algumas das políticas de mobilidade — veja-se a estagnação da criação de ciclovias ou o bloqueio da zona de baixas emissões em Lisboa —, a longevidade de Fernandez Lores à frente da cidade galega demonstra consenso junto dos habitantes.
Fernandez Lores é o presidente da câmara que está há mais tempo no cargo em Espanha, e esse caminho tem sido seguido sem ceder a pressões, nem mesmo de forças políticas à direita, como o Vox. “Não é meu dever enquanto presidente garantir que vocês tenham um lugar de estacionamento”, disse em 2020. “Para mim, é o mesmo que comprarem uma vaca ou um frigorífico e depois perguntarem-me onde podem arrumá-los”, completou.
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