O que são? Para que precisamos delas? Neste artigo, apresentamos-te todos os lados da blockchain e das criptomoedas. Exploramos as suas aplicações, benefícios e impacto ambiental – e ainda os novos projetos que prometem torná-las sustentáveis.
Mineração. Bitcoins. Criptos. Descentralização. Blockchain. Por esta altura já te
deves ter deparado com pelo menos um destes termos. Se não em notícias de jornais,
pelo menos nas redes sociais, em conversas com amigos ou até em publicidade duvidosa que te incentiva a investir na última moeda digital. Mas, afinal, estamos a falar do quê? Estes termos designam processos e bens diferentes, mas todos derivam, em primeiro lugar, da blockchain. Por essa razão, faz sentido começar este artigo por aí.
O que é a Blockchain?
A blockchain é um livro-razão partilhado, digital e imutável que facilita o processo de transações e o movimento de ativos numa rede empresarial.
Estes ativos tanto podem ser tangíveis (ex: casas, carros, dinheiro) ou intangíveis (ex:
propriedade intelectual, patentes, direitos de autor) e praticamente qualquer item de
valor por ser negociado e seguido numa rede de blockchain. Mas, o que é exatamente esta rede?
Ajuda a explicar a rede quando se percebe o significado de blockchain. Se traduzirmos literalmente este termo, temos que a blockchain é uma “cadeia/rede de blocos”, que funciona da seguinte forma:
1 – A partir do momento em que ocorre, cada transação efetuada na rede é registada como um bloco de dados. Estas transações mostram o movimento de certo ativo e os blocos de dados contêm informações acerca dessas transações: quem são os
utilizadores, o que negociaram, quando negociaram, etc.
2 – Os blocos de dados estão ligados entre si através de uma cadeia. Isto significa que cada bloco está interligado a blocos anteriores e seguintes. Ou seja, quando bloco de dados é registado, ele liga-se a um anterior, que por sua vez se irá ligar a um seguinte quando um novo bloco de dados for registado. Os blocos confirmam a hora exata e a sequência de transações.
3 – A partir do momento em que são completadas, as transações são bloqueadas
nesta cadeia irreversível: a blockchain. Cada bloco adicional fortalece a verificação do
anterior e, portanto, de toda a cadeia, tornando-a inviolável.
Quais são as vantagens da blockchain?
A blockchain está a ser cada vez mais utilizada porque fornece informações imediatas, partilhadas e completamente transparentes armazenadas num livro-razão imutável que apenas pode ser visualizado por membros da rede autorizada. Como os membros partilham uma visualização única dos factos, é possível ver todos os detalhes de uma transação, o que oferece confiança e eficiência. Mais em pormenor, podemos dizer que a blockchain é:
Descentralizada – todos os participantes da rede têm acesso ao livro-razão e ao
seu registo imutável de transações. Uma vez que a blockchain é um livro-razão
distribuído, esta tecnologia está livre dos poderes tradicionais, como por exemplo as regras dos bancos centrais (no caso das criptomoedas).
Transparente – todos os participantes podem consultar as informações de
qualquer transação de ponta a ponta e comprovar a sua veracidade.
Confiável – nenhum participante pode alterar ou corromper uma transação
depois de esta ser registada no livro-razão. Se um registo de transação apresentar um
erro, uma nova transação terá de ser incluída para reverter o erro. A blockchain irá depois mostrar tanto a transação errada como a correta. Graças a esta propriedade, não há a possibilidade de duplicar atividades, o que por vezes acontece em redes empresariais tradicionais.
Mas, afinal, qual é a diferença entre blockchain, criptomoedas e bitcoin?
De uma forma muito simples, podemos dizer que a blockchain é a tecnologia por
trás das criptomoedas. Sendo a bitcoin uma das criptomoedas (moedas digitais não
regulamentadas por entidades/bancos centrais) existentes atualmente, também ela utiliza a tecnologia blockchain como o seu livro-razão de transação. Porém, a blockchain é muito maior que as criptomoedas. O investimento nesta tecnologia tem crescido tanto que é expectável que atinja o valor de 18 mil milhões de dólares em 2024. As suas aplicações são das mais variadas, sendo já utilizada em matéria de cibersegurança, transferências internacionais, registos médicos, patentes musicais e até para combater as alterações climáticas. A IBM, por exemplo, está a desenvolver esta tecnologia no âmbito das cadeias de produção, permitindo a diversos atores e parceiros partilhar informação sensível de uma forma segura entre si.
Ok…Se é uma tecnologia assim tão boa, porque é que a blockchain e as
criptomoedas estão a levantar tantas ondas em matéria de sustentabilidade?
Esse é o lado negativo desta tecnologia e, mais particularmente, das
criptomoedas. O impacto ambiental mais visível das criptomoedas está relacionado com a energia necessária para as suas transações e, sobretudo, para o seu processo de mineração (processo através do qual estas moedas digitais são criadas).
A maioria das criptomoedas depende de processos de mineração para gerar
novas unidades da moeda digital. A mineração de novas unidades foi desenhada para
ser difícil de completar e requer bastante poder computacional, o que impede uma pessoa ou grupo de controlar toda a rede.
Criptomoedas como a Bitcoin ou a Ethereum operam segundo um sistema de
“prova de trabalho” (“proof of work”, em inglês). Neste sistema, os computadores têm
de resolver equações de determinada dificuldade para “minerar” (isto é, criar) novas
moedas e adicionar novos blocos de dados à blockchain. Como todos os utilizadores da rede estão a lutar para serem os primeiros a resolver estas equações e receberem a recompensa monetária, a pessoa/grupo como maior capacidade de processamento tem maiores oportunidades de ganhar. Ora, quanto maior for a capacidade de processamento, maior é a quantidade de energia utilizada. O principal problema das criptomoedas deriva desta fórmula, uma vez que as fontes de energia que alimentam
estes processadores não são, na maioria das vezes, renováveis.
Talvez seja mais fácil de visualizar o problema como um caso prático… Vejamos
a Bitcoin. A Bitcoin foi criada com um teto máximo de 21 milhões de unidades, com
cada nova unidade a ser progressivamente mais difícil de minerar que a anterior. A esta escassez acresce-se ainda a recompensa da mineração: por cada bloco minerado, o utilizador recebe 6.25 bitcoins, sendo que, à hora em que escrevo este artigo, 1 bitcoin vale 34 mil euros!). Da escassez da moeda, da recompensa da mineração e da dificuldade acrescida do processo resulta que, a cada dia que passa, há menos bitcoins disponíveis, que são mais valiosas e que requerem cada vez mais poder computacional para serem mineradas.
Segundo o Cambridge Bitcoin Electricity Consumption Index, cada transação de bitcoin requer 2.292 kWh de energia. Se traduzirmos este número para toda a mineração da Bitcoin, rapidamente chegamos a valores estonteantes, com estimativas a sugerirem um consumo energético anual global comparável a países como o Egito ou a Polónia.
Um dos problemas que deriva da grande quantidade de energia utilizada pela
indústria prende-se com o total de emissões que gera… Isto deve-se ao facto de apenas 39% dessa energia provir de fontes renováveis (3rd Global Cryptoasset Benchmarking Study). Por não ser uma indústria sustentável e limpa, cada transação de bitcoin hoje implica a emissão de 1.088 kg de CO 2 , uma pegada de carbono equivalente a 2,4 milhões de transações VISA. Se juntarmos todas as operações da Bitcoin e Ethereum, estas moedas digitais lançam para a atmosfera 78 milhões de toneladas de CO 2 todos os anos, o equivalente às emissões de 15,5 milhões de carros.
Além do impacto energético, há ainda o problema derivado da capacidade de processamento: o lixo eletrónico. Uma vez que uma maior capacidade de
processamento resulta numa vantagem direta na corrida à mineração, os utilizadores da rede têm melhorado cada vez mais os seus acessórios, deitando para o lixo
computadores, placas gráficas, chips e outros gadgets desatualizados. Hoje, cada
transação de bitcoin gera 290 gramas de lixo eletrónico, o que equivale ao peso de 1,77
iPhones 12. Cumulativamente, todas as atividades relacionadas com esta moeda digital criam 30 mil toneladas de resíduos eletrónicos todos os anos.
Isso quer dizer que temos de acabar com a blockchain para salvar o planeta… ou
há alternativas mais sustentáveis?
Atualmente, várias iniciativas têm sido lançadas para reduzir a pegada ecológica das criptomoedas. Em abril de 2021, três organizações importantes (Energy Web
Foundation, Rocky Mountain Institute e Alliance for Innovative Regulations) fundaram o Acordo Climático para as Criptomoedas. Este acordo tem como objetivo
descarbonizar a indústria mundial das criptomoedas em tempo recorde e atingir a
neutralidade carbónica deste setor até 2030.
Além desta iniciativa, os profissionais e engenheiros que trabalham com a
blockchain estão ainda a estudar formas de reduzir o custo energético total das
criptomoedas. Esta redução passa sobretudo pela transformação do sistema de validação das transações.
Atualmente, as criptomoedas são transacionadas, verificadas e armazenadas na blockchain graças a um sistema de “prova de trabalho”. Porém, o sistema de validação de “prova de participação” (“proof of stake”, em inglês) tem ganho muita popularidade. Nele, um número aleatório de pessoas tem que concordar em validar a transação antes que esta seja adicionada à blockchain. Uma vez criado um novo bloco de dados, os validadores são recompensados com criptomoedas, mantendo ainda as que já têm. A principal implicação deste método é que reduz consideravelmente o poder computacional necessário para gerar, ou minerar, novas moedas, reduzindo, por sua vez, o custo energético. A criptomoeda Ethreum irá usar uma variação deste método para verificar novos blocos na sua blockchain, esperando reduzir a quantidade de energia em 99,99%, comparativamente ao método de “prova de trabalho”.
No entanto, apesar de estas iniciativas reduzirem o custo energético destes
processos, há ainda a questão dos resíduos eletrónicos. Atualmente, o lixo eletrónico é
um dos tipos de resíduos com maior crescimento a nível global, tendo crescido de 44
milhões de toneladas em 2014 para 53,6 milhões em 2019. Porém, segundo o mais
recente relatório do “ The Global E-waste Monitor ”, apenas 17,4% de todo este lixo é devidamente coletado e reciclado.
Apesar de a mineração de bitcoin apenas representar 0,056% do total de lixo
eletrónico gerado a nível global, várias formas de minimizar o problema têm sido avançadas. Desde reutilizar placas e computadores antigos para outras funções a investir mais na verificação por “prova de participação”, cujas tarefas podem ser processadas em computadores convencionais.
As iniciativas aqui descritas parecem querer ajudar na transição verde da blockchain e, mais especificamente, da indústria das criptomoedas. Embora seja impossível o corte total do lixo eletrónico, a transição do setor para uma pegada
carbónica neutra parece estar dependente dos nossos esforços climáticos conjuntos.
Uma vez que a energia utilizada pelas criptomoedas está dependente dos meios de
produção energéticos globais, este parece ser um problema que ficará por resolver até
que as nossas sociedades consigam, também elas, transitar para fontes 100%
renováveis